Você moveria montanhas, princesa? Se preciso fosse, você escalaria o mais
alto dos rochedos para ser feliz? O que você faria para libertar sua mente da
prisão que a colocam? O que você faz?
Eu tenho as palavras e rimas para me salvar.
E é assim que me salvo, nessa modernidade nossa de cada dia, nesse afago
que não consola, nesse mundo-cão que engole, que faz da rotina tédio, que faz
do tédio sustento, que faz do sustento dureza, desatenção. O que você do outro
lado da História faria para me salvar? Se casaria por ideais? Morreria por
amor? O que uma princesa faria para salvar um poeta iletrado?
E o Leminski amarrotado na mochila que faço de casa não é o bastante. E os
fones no último volume não são o bastante. E o filme visto no final do dia não
é o bastante. Nem a conversa com os amigos no último segundo antes de ir
deitar, nem a noite mais bela, nem a mulher mais bela – nem a poesia mais bela:
nada basta para que eu me sinta salvo por completo – só escrevendo. Nada faz
com que eu me esqueça da opressão contra os já oprimidos; do almoço corrido em
um canto qualquer, do mundo que só exige, dos estudos interrompidos – da vida
interrompida.
Mas eu tenho as palavras princesas, o que tem você?
[PRINCESA]
O que eu tenho são apenas
as barras oxidadas da minha prisão psíquica, preenchendo o surreal que me
cerca. Gostas de correr atrás de mim em seus pensamentos tortuosos, enquanto
sua mente vagueia pelos campos secos da vigília do sono?
Não deves gostar. O que
você faria para alcançar-me, caro poeta vagabundo? Eu, que me prostro no alto
dessa torre, como um devaneio utópico atormentando-te os sonhos e fazendo-me
responsável pelos teus anseios de querer morrer para então encontrar-me na
outra ponta historiográfica.
No fundo, as perspectivas
doentias de que eu não sou tua perfuram tua carne, fazendo-te gritar meu nome
na noite cerrada. Mas os gritos que desejas ouvir são outros. Os gritos que
deseja ouvir são meus, no momento em que arrancasse minha inocência com beijos.
O que você sacrificaria,
caro poeta desfalecido?
[POETA]
Eu morreria,
princesa-de-lugar-algum.
Morreria para ficar mais
perto de você que já é finada – matar-me-ia jogando-me contra o asfalto quente
que nunca é lar; só incomoda. Morreria pelo beijo seu que nunca virá, rasgaria
minha pele, minha alma, meus livros: minha vida. Cortar-me-ia me pedaços para
alcançar o seu surreal nessa torre já caída. Cortaria a poesia; quebraria a
rima. Ia, somente, não viria. Faria das utopias distopias, dos pesadelos sonhos
– das noites, dias.
Quebraria o verso.
Viveria na realidade.
Só para alcançá-la na fantasia.
[PRINCESA]
Anseio pelo dia velado no
qual vão te achar estirado no asfalto, com um sorriso encovado que foi colocado
ali por um único propósito sórdido: a possessão de alguém que está envolta em
quimeras.
A musa de olhos cavos te
conduziria até mim enquanto você acenaria para a pós-modernidade barata que
nunca se poderia arrancar de ti. Mas que sacrifica por mim e as voltas
enevoadas do meu mundo, no qual homens afundam-se nos lagos fundos de mulheres
enfeitiçadas.
O mais maldito dos poetas
batucaria seus versos espiralados em meus ossos quando a eternidade nos
pertencesse. Eu me perco em insanidade todos os dias que não te acho dentro de
mim, meu poeta.
Os dias que nunca virão
queimam minha pele intocada pelo sol, como teus toques queimariam a alma que já
se esvaiu dentro de mim.
Venha e alcance-me, meu
poeta dos desamores. Venha e alcance sua mais deliciosa ilusão.
[POETA]
Do beat nos seus ossos faço um réquiem.
Conhece a melodia? É canção dos fúnebres, dos decadentes, loucos, insanos e
imorais! É a música das ruas, dos becos, dos grafites, cartazes, poesias e
rimas! Do batuque dos seus ossos faço minha moradia – sinestesia, euforia: cacofonia.
Saio do mangue para entrar
em você, por você e com você. Saio da vida não para ser seu príncipe ou bardo:
entro na morte para ser seu poeta.
Nem me darei ao trabalho
de ser também seu amor.
[PRINCESA]
Negamos-nos a aceitar os
limites que o tempo nos impõe, como um deus impetuoso. Seremos pecadores,
metidos em nós mesmos e não nos curvando aos mandares pretensiosos de algo tão
superficial quanto um conjunto de eras.
Sinta-me despida de
qualquer armadura. Arranque de mim todas as agonias da espera e quebre as
barras do meu claustro.
Não desejo teu amor, amar
é para as meretrizes!
Desejo ter-lhe de todas as
formas, inexorável e imutável. Desejo que entregue tua alma a mim em um frasco
encantado para que eu seja tudo o que queres nessa vida e na outra. Faça dos
meus ossos tua morada que eu me refugiarei na tua poesia lastimável construída
em cima da distopia cotidiana.
Seja meu e apenas meu, me
envolvendo na fumaça dos teus cigarros enquanto eu cubro-te com as brumas da
minha terra de fadas.
Nota: Texto em parceria com a Isadora, do http://putres-cente.tumblr.com/
FIM
Nota: Texto em parceria com a Isadora, do http://putres-cente.tumblr.com/